sábado, 1 de setembro de 2012

Genialidade, Millôr Fernandes e Shakespeare

"Era um gênio. Uma gênia! Sua genialidade fará falta ao mundo. Um gênio da música. Um gênio da política!"
Essas frases são, sem dúvida nenhuma, as frases mais ditas em todo o mundo quando alguém famoso morre. Tanto faz se esse alguém era muito conhecido. Ninguém se importa se ele era ou não aprovado pela maioria das pessoas. Tudo o que se sabe é que a morte é a maior estratégia de marketing.
Não importa o quanto Michael Jackson, Amy Winehouse ou Cazuza eram mal falados quando vivos. Depois de sua morte, até seus haters mais devotos iriam declamar poemas e lamúrias de sua morte e suspirar :
_Ah, lá se vai um gênio.
Não que eu esteja duvidando da genialidade de Amy Winehouse, Michael Jackson ou Cazuza (muito pelo contrário, eles foram grandes gênios da música de seu tempo), mas algo revoltante é que praticamente um "ninguém" que foi capa de algumas revistas morra e atinja o status de "gênio".
De uma vez por todas : Para ser um gênio não basta morrer. Para ser um gênio você tem que ser ótimo naquilo que faz (não importa qual seja o seu meio, variando desde música até atuação) de acordo com seu tempo, terra natal e feitos.
Deste modo, não podemos considerar Whitney Houston (que foi esquecida depois do filme com Kevin Costner), Wando (que era conhecido como o rei das calcinhas, um título nada notável) e Felipe Boladão (pelo amor de Deus, quem é esse?) gênios apenas por serem famosos (ou nem tão famosos) que vieram a falecer.
Só para fortalecer o argumento : Paul McCartney sempre foi o músico mais importante de The Beatles, sendo o que tocava mais instrumentos, cantava melhor e escrevia mais músicas. Mas John Lennon (que era um músico admirável, mas não melhor que McCartney) é venerado só porque morreu. Enquanto isso, Paul McCartney está vivo e ninguém conhece "My Valentine" e todos conhecem "Imagine".


Esse assunto não é pouco abordado. Muitos já escreveram sobre genialidade falsa, genialidade verdadeira e tudo o mais relacionado á isso. O famoso comediante Bruno Motta já fez um vídeo sobre o assunto, assim como a BBC já realizou um documentário sobre isso e o famoso vlogueiro/blogueiro/podcaster Alexandre "Jovem Nerd" Ottoni já comentou sobre os gênios instantâneos em um podcast .
Devido a existência de tanto conteúdo sobre este tema, muita gente se equivoca ao qualificar um gênio.
Ás vezes alguém realmente genial morre e, por estarmos acostumados com inúteis morrendo e serem superestimados, nem damos importância a morte desse alguém que realmente foi um gênio.
Por exemplo, recentemente, o Brasil perdeu um de seus melhores humoristas, desenhistas, dramaturgos, escritores, tradutores e jornalistas : Millôr Fernandes. Ah, foi nesse tempo em que Millôr deve ter se retorcido no túmulo.
Toda matéria de jornal ou reportagem que fosse publicada sobre Millôr e que se referia a ele como um gênio vinha recheada de comentários de idiotas metidos á intelectuais dizendo:
- Gênio? Gênio onde? Nem famoso era. É só morrer pra ser considerado gênio. Gênio coisíssima nenhuma!
A pessoa que teve a audácia de comentar algo do tipo com certeza nem se preocupou em tentar saber quem foi Millôr. Millôr foi alguém que publicou treze livros de prosa, três de poesia, um de artes visuais, escreveu roteiros para quatorze peças teatrais, criou dez espetáculos musicais e traduziu mais de noventa e três obras para a obra brasileira.
Horas (talvez até dias) podem ser gastos explicando detalhadamente cada aspecto da genialidade de Millôr Fernandes.

Existe uma regra: Não é porque morreu que tem que ser gênio.
Mas esta regra não anula a vericidade desta outra : Não é preciso ser extremamente famoso para ser um gênio. Principalmente no Brasil (um lugar aonde Neymar, Michel Teló e Luan Santana figuram uma lista de melhores brasileiros de todos os tempos), onde os verdadeiros gênios da área literária são ignoradas. É terrível pensar que boa parte da população nunca ouviu falar de Carlos Drummond de Andrade, Luís Fernando Veríssimo e Eça de Queiroz. É tão terrível quanto o fato de que há pessoas que duvidam da genialidade de Millôr Fernandes.
Millôr traduziu livros de Sófocles, Pirandello, Tchekov e também do mundialmente renomado William Shakespeare. Shakespeare foi um gênio?

William Shakespeare é o escritor mais famoso de todos os tempos. Qualquer um que duvidar de sua genialidade pode ser considerado, sem piedade, um burro. Em seu curto tempo de vida (1564-1616) conseguiu conquistar fama mundial como escritor em uma época em que mais de setenta por cento dos ingleses eram analfabetos. Se tornar um escritor ótimo na época em que a Inglaterra era pobre de literatura era uma tarefa tão dura quanto se tornar um político honesto no Brasil. Tarefa difícil, mas Shakespeare provou-a possível.
Até os dias de hoje, Shakespeare ainda vende e faz sucesso absurdo com seus livros mais famosos (Romeu e Julieta, Hamlet, Macbeth etc.) e suas citações mais famosas ( Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha nossa vã filosofia).
Outra tarefa da qual William Shakespeare pôde se orgulhar é de, segundo estudos, ter inventado mais de mil e setecentas palavras para a língua inglesa (que, com o passar do tempo, passaram a integrar todos os idiomas). Palavras como "solitário, generoso, assassinato e bandido", que são tão usadas em nossa sociedade depressiva, foram criações de Shakespeare.
Na verdade, as palavras criadas foram "lonely, generous, assassination e bandit", no inglês antigo original.
Agora, se Shakespeare é um gênio por, entre outras razões, ter criado palavras... Por que Millôr Fernandes não pode ser considerado um gênio se traduziu palavras inexistentes?

Bem, essa foi a minha opinião. E a sua? Millôr Fernandes e William Shakespeare foram ou não gênios?

Ser ou não ser. Eis a questão.

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