terça-feira, 15 de outubro de 2013

Robocop, por favor.

Em 1987, era lançado um filme diferente.
 Enquanto filmes sobre robôs heróis e filmes sobre policiais eram coisas completamente diferentes, o diretor Paul Verhoeven (também responsável por Vingador do Futuro) resolveu unificar tudo isso...e ainda adicionar pitadas leves (Ou não) de metáfora, crítica social e violência sem escrúpulos.
Assim nasceu Robocop, filme vencedor do Oscar, do Prêmio Saturno e do Festival de Cinema Fantástico de Avoriaz.
 E agora, vinte e seis anos após todos aqueles prêmios, os executivos resolveram refazer o filme. Isso sim é coisa feita pra deixar um fã de ficção delirando! Um filme antigo e excelente refeito agora com efeitos especiais melhores, maior orçamento para atores e roteiristas...e o melhor de tudo é que o diretor escolhido para tomar conta deste novo Robocop é ninguém menos que José Padilha (diretor de Tropa de Elite), o cara que melhor sabe retratar um policial.
 O pensamento de todos foi, desde o começo, que nada poderia sair errado. Robocop é o tipo de coisa que não poderia ser estragada. O personagem é indestrutível, assim como toda a mitologia construída em volta de si....e nada de ruim pode surgir a partir do Robocop.
 Era o que todos pensávamos. Mas saiu o primeiro trailer.


E aí começaram os problemas.

Como já mencionado, o Robocop faz uso de uma grande crítica social e complexa metáfora. Sem isso, seria apenas um filme trash com cenas nojentas. Ou talvez mais alguma baboseira futurista (O que mais víamos nos anos 80, eram filmes assim). Assim sendo, chegamos a uma conclusão:
 Tire as figuras de linguagem do Robocop, e estará quebrando toda a estrutura do filme!
 E, infelizmente, se observarmos bem este trailer, veremos que toda a metáfora está ausente. E o que era pra ser um filme sobre como a justiça age lentamente, cegamente e obedecendo a um sistema controlado que privilegia a si mesmo...se transforma em um filme de um robô policial. 
Só nos resta. então, analisar o trailer e a obra original para pensarmos "Por favor, Robocop...melhore." Cena por cena, falha por falha e, felizmente, vantagem por vantagem.
 Começando com isso:

O Samuel L. Jackson está no filme. Talvez a pessoa mais famosa que já teve seu nome associado ao de Robocop, deste 1987.
 Na época de seu lançamento, os críticos e toda a alta estirpe analítica de cinema simplesmente aceitaram Robocop de braços abertos devido a maneira subliminar com que as metáforas e críticas sociais eram disponibilizadas.
 Já o grande público, familiarizado com comédias familiares estreladas pelo Michael J. Fox, simplesmente desprezou um filme parado, sem sentido e sem atores famosos.
 Agora, com este novo filme e suas escolhas de elenco, é impossível que passe despercebido pelos cinemas. Não só por Samuel L. Jackson (afinal ele está em todos os filmes do mundo) como também por Michael Keaton (sim, um dos melhores Batmans que já tivemos) e os gritos talentosos de Gary Oldman (famoso por Batman, O Profissional e Harry Potter).
 O uso de atores famosos pode ser considerado apenas como um caça-níquel e caça-plateia. E realmente é. Mas não é algo que danifique a história, na verdade é algo apenas que garante mais qualidade ao filme (já que Jackson, Keaton e Oldman são vastos exemplos de excelentes atores). Olhando ainda pelo lado positivo, é uma dádiva que o ator para viver Robocop tenha sido escolhido por talento e não por fama (o quase anônimo Joel Kinnaman). MUDANÇA APROVADA. 

 Depois disso, o trailer começa a fazer a única coisa que não poderia fazer = Dilacerar a crítica social de Robocop.
 Entenda a metáfora:
 Após ser perseguido por bandidos, o policial Alex Murphy, de Detroit, é brutalmente assassinado. Com tiros no braço, nas mãos, no peito e no crânio. Depois de ter sido dado como morto, oficialmente, Alex é transformado pela empresa OCP em um robô com partes humanas e altas habilidades tecnológicas e de combate.
 Assim sendo, o robô policial se torna a justiça em Detroit, executando as leis de maneira perfeita. Até que as memórias de Murphy começam a resurgir em Robocop, criando um grande conflito interno de homem/máquina.
 A metáfora surge quando Robocop se torna a personificação da justiça. Se move lentamente, não tem relacionamento ou nenhuma ligação direta com qualquer pessoa. Sem humanidade ou características pessoais, a justiça é bruta, violenta e apenas se interessa por seguir as leis que o sistema lhe impôs.
 Assim vemos = A justiça, além de ser extremamente lenta, não possui conceitos morais. Apenas obedece leis impostas por algo maior, sem questionar se está sendo demasiada violenta ou agressiva. A justiça não é cega, apenas inconsciente e desenfreada como o Robocop. O Robocop é a justiça, e isso torna fantástica toda a mitologia deste filme. 

 Agora observe.


E compare: (mesmo em espanhol, o impacto é profundo).
 No filme original de 1987, Murphy morre trucidado por bandidos praticamente em público. Tendo sido uma vítima de escolha aleatória, a crueldade com o que o policial foi atacado demonstra perfeitamente bem o quão voraz pode ser o caos, sem precisar de razão para se propagar em sua forma mais exagerada.
 Já no trailer para o novo filme, Murphy morre ao abrir a porta de seu carro...e ele explode. Isso. Uma simples bomba dentro de um carro mata Murphy. Uma bomba preparada apenas para ele quebra toda a mensagem de que "a injustiça não escolhe alvos, a injustiça acomete a todos...sem escolher ninguém a dedo".
 E, ao transformar o massacre em uma simples explosão, também se perde todo o impacto causado pela violência que, obviamente, foi o elemento mais chocante em Robocop.
 MUDANÇA REJEITADA. 


E então nos deparamos com a seguinte cena - Alex Murphy, agora já transformado em Robocop, se voltando contra o personagem de Gary Oldman (seu desenvolvedor) ao questionar sua nova condição e demonstrar insatisfação sobre seu novo corpo.
 Vê algo de errado nisso? Se sua resposta é "não", então há algo de errado com você!
 Outra metáfora acoplada na mitologia do filme original, é a de que o robô-tira é a imagem do policial perfeito = Sem ideias, pensamentos e questionamentos, ele é alguém sem memória que apenas segue diretrizes. Ao remodelar isso e dar consciência ao personagem, desconstrói-se mais uma crítica oculta no roteiro e desenvolve só um filme de revolução das máquinas. Mais um entre tantos ("Exterminador do Futuro", "Eu, Robô", Wall-E" e "Matrix").
 Porém, um modo de contornar essa mudança desastrosa é adotar a hipótese sugerida pelo grupo brasileiro Matando Robôs Gigantes, que é a de que outra figura de linguagem surja a partir disso. Ao invés do Robocop ir recobrando sua consciência aos poucos, a ideia é de que ele vá perdendo-a aos poucos. Retratando, desta maneira, a lavagem cerebral que o sistema da justiça faz no cérebro de um policial até que o transforme em uma máquina mortífera cumpridora de regras.
 Isso sim seria épico ao nível do filme original. Ou seja, a consciência do Robocop é algo que pode sim ser modificado...mas apenas da maneira correta.
 MUDANÇA CONSIDERADA


Aí entramos nas diferenças físicas entre os dois Robocops, que podemos localizar no trailer.

 1 - Antigamente, a justiça em pessoa (ou robô) andava de carro. Uma caranga quadrada da polícia, caindo aos pedaços como quase tudo em Detroit. Na nova versão, ele agora pilota uma motocicleta (na infância de uma criança dos anos 2000, todo herói só era maneiro se tivesse uma moto, e agora o Robocop também é maneiro!), o que o deixa muito parecido com um personagem de tokusatsu...mas que quebra um pouco da sua imagem policial. MUDANÇA CONSIDERADA.

2 - O traje. O Murphy original era praticamente feito de um metal vagabundo, utilizando um capacete semelhante a uma panela e com peças que aparentavam terem sido extraídas de um automóvel. Agora, o capacete é semelhante ao de um motoqueiro, as suas peças possuem músculos e barriga tanquinho e sua mão está intacta. A ideia de sexualizar e embonecar o Robocop é uma MUDANÇA REJEITADA, já a ideia de manter uma de suas mãos intacta é uma MUDANÇA APROVADA, devido ao fato de ter sido justificada = Dentro da OCP, foi criada esta técnica de marketing para que quando o Robocop fosse apertar a mão da população, o cidadão tocasse em uma mão humana e se sentisse mais seguro.

3 - As limitações. Em 1987, ele era um ROBÔcop. Um ROBÔ policial. Um verdadeiro e fiel ROBÔ com partes humanas. Ele era pesado, ele não saltava. Ele se movia lentamente (embora fosse um pouco acelerado nos combates) e realmente andava no "estilo robô" de andar. Como já mencionado, isso até faz parte da metáfora (se o Robocop é a justiça, significa que a justiça se move lentamente mas agride e destrói com agilidade). Já o novo é deprimente. José Padilha (O novo diretor) parece ter ignorado todas as ligações entre o sentido da obra e a aparência do personagem, sendo que apenas se lembrou de fazer um robô policial misturando a aparência e as características do Jiban com os movimentos e o visor do Homem de Ferro. Muita influência com o público jovem e o interesse em vender bonequinhos, e pouco comprometimento com o conteúdo que Robocop realmente deveria passar. MUDANÇAS REJEITADAS.

4 - Referências!! Quando se faz um remake de um clássico, o ideal é que sempre se lembre de fazer citações à obra original, ou o resultado tem grandes chances de ser lastimável. Por exemplo, o remake de O Vingador do Futuro foi apenas uma versão cuspida da história original, sem nenhuma cena clássica. Não houve o "you are not you, you are me",não houve o Kuato, não houve a cena da gorda se desmantelando e não houve nem a cena com Schwarzenegger arregalando os olhos. A única referência ao filme original, foi a presença da alien com três peitos, e talvez tenha sido essa indiferença ao clássico que tenha tornado o remake tão ruim. E, pelo que vemos, Robocop está tomando um caminho diferente de Vingador do Futuro. Por mais que a metáfora e a crítica social estejam aparentando ser deixadas de lado, o longa de 1987 definitivamente não foi esquecido, já que no próprio trailer são vistas algumas referências.
 Por exemplo, vemos o robô clássico ED-209 em um frame do trailer (não significando que ele fará parte da trama, mas é um bom recado aos fãs antigos), o design clássico, porém estilizado, (cinzento e mais troncudo) do robô também é visto no trailer. E, por último, vemos e ouvimos praticamente a frase mais icônica que o policial Alex Murphy já disse na sua vida (Ou pós-vida): Vivo ou morto, você vem comigo.
 Caindo um pouco pra fora do trailer, também podemos mencionar o belo pôster oficial do filme que foi lançado com uma frase também clássica: Your move, creep.

 
 Devido a isso, também devemos exigir que certas referências OBRIGATÓRIAS sejam feitas no filme. Muitas das frases de Murphy são consideravelmente fortes e dignas de serem colocadas no filme. "Eles vão te consertar, eles concertam tudo". "Murphy". "Obrigado pela cooperação, boa noite". "He's a cop killer!".
  E além das frases, outras referências podem ser inclusas. A metáfora de "policial programado por um sistema" só toma força se forem apresentadas as clássicas diretrizes do homem máquina. "Servir a população, proteger os inocentes e cumprir a lei". Sem contar que cenas de violência como a famosa cena do lixo tóxico e a da morte de Dick Jones (após ser demitido) são coisas que encaixariam bem no filme...mas que sabemos de sua dificuldade devido à censura dos dias atuais.
 Enfim, se é pra fazer um filme saudosista e honroso, as referências são bem vindas. Na verdade, as referências são bem vindas em qualquer ocasião. MUDANÇA APROVADA!

 Depois desta breve análise, é fácil concluir que muita coisa pode dar errado e certo neste novo filme. Nossas esperanças são de que o filme se mantenha atualizado e, mesmo assim, respeite ao conteúdo antigo, fazendo uso das metáforas e de todas as críticas sociais que tornaram Robocop algo único.
 Só nos resta pedir.
 Por favor, José Padilha. Assista ao filme diversas vezes, para não fazer besteira.
 Por favor, Paul Verhoeven. Não deixe que estraguem o filme que você suou tanto pra fazer.
 Por favor, Detroit. Receba com orgulho a estátua do Robocop. (Sim, apoio esta causa).
 E por favor, Robocop. Não nos decepcione.

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