sábado, 15 de novembro de 2014

E nem 2014...


 - Podem começar as provas.
 Assim que a voz da aplicadora lhe deu tal permissão, Fabrício abriu sua prova, coçou a franja mal lavada, respirou fundo, lembrou-se dos estudos e finalmente encarou a primeira questão da prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias.
 Foi quando notou algo de estranho na primeira questão. A pergunta mencionava questões filosóficas e as relacionava com legislações. Abaixo do enunciado, cinco alternativas organizadas de A á E. Tudo estaria dentro dos conformes se não fosse por um grande X marcado á caneta sobre a alternativa A.
 Fabrício quase riu, de tão inesperada que era a situação. A pergunta estava respondida!
 "Impossível!", pensou. "As provas estavam todas lacradas. Como isso pode ter acontecido?"
 Ignorou o fato e se lembrou de que o tempo da prova estava passando. Resolveu continuar a prova.
 Releu a primeira questão (que era muito fácil), pensou e conferiu as alternativas. Outra surpresa! A resposta era A. Ou seja, além da questão ter vindo respondida, a resposta já veio certa!
 Passou os olhos para a segunda questão e notou que também estava respondida e, concluiu depois de analisá-la, que a alternativa assinalada era a correta.
 Fabrício folheou toda a prova checando este fenômeno.
 O mesmo se repetia em todas as questões. Tudo respondido, tudo certo.
 Querendo entender, gesticulou para a aplicadora da prova, que logo veio caminhando até ele.
  - Já terminou a prova? - Veio perguntando quase que num sussurro.
 - Não. Eu estou com um problema. É que...a minha prova já veio respondida.
 - Sim.
 - Sim? - Fabrício se espantou.
 - Sim. - A aplicadora respondeu, assentindo e levantando a sobrancelha.
 - Então você sabia que ela estava assim?
 - Claro! Todas estão assim.
 - Por que?
 - Ordens do governador.



 - Quê? - Mesmo falando baixo, a indignação era notável na foz de Fabrício. - Mas se a prova já tá toda feita, o que é que eu tenho para fazer?
 - Preencher o gabarito. - A aplicadora respondeu normalmente. - De acordo com as novas leis, o fato do participante preencher o gabarito confirma que ele esteve presente na prova. Só a sua presença já prova que possui interesse na faculdade e o qualifica para ser aprovado.
 - Quem inventou tudo isso? - Fabrício ainda estava indignado.
 - O governador. Tem sido assim nas escolas há anos.
 - Mas não é injusto tanto os que sabem quanto os que não sabem serem aprovados igualmente?
 - Não. O Estudo é precário hoje em dia. Injusto seria um participante se sair melhor que os outros por causa da superioridade da qualidade de sua escola.
  - Eu saí da escola há alguns anos e sei responder boa parte das questões. Estudei tudo em livros. Ninguém depende de escola pra isso.
  - Se está incomodado, senhor...Fabrício - Ela checou seu nome na prova - , pode se queixar disto na redação.
 - A redação vai ser sobre progressão continuada?
 - Só se você quiser. O tema é livre.
 - Quê? - Fabrício já estava quase gritando.
 - É. Tema livre. Assim ninguém foge do tema e a redação de ninguém é anulada. Ou seja, todos aprovados.
 - Meu Deus! - Com os olhos arregalados, Fabrício puxou os próprios cabelos. - Será que só eu me incomodo com essa prova "de mão beijada"?
 - Sim. Veja. - E a aplicadora apontou para o resto da sala, que copiava calmamente as respostas para o gabarito. - É confortável não ter que pensar e saber que se dará bem mesmo assim.
 - Mas se formos empurrados com a barriga pelo governo dessa maneira, não estaremos preparados para lidar com uma universidade quando chegarmos lá.
 - É aí que você se engana. Com o novo projeto de lei do governador a progressão continuada se estende até as universidades. Todas as notas serão iguais e todos estarão aptos a se formar.
Fabrício se levantou da cadeira e berrou para a orientadora:
 - Esse governador é maluco?
 - Senhor Fabrício! - A aplicadora lhe deu uma bronca. - Chega de reclamações. Sente-se no seu lugar e continue a preencher o gabarito em silêncio. E sobre nosso governador...ele está no poder há bastante tempo. Ele e seus ideais possuem um laço muito forte e importante com nosso país.
 "Que laço mais estranho", Fabrício pensou enquanto se sentava e voltava suas atenções para a prova. Leu a frase que estava em destaque na capa da prova ("Quando vira nó, já deixou de ser laço").
 Indignado com toda a situação daquela prova extremamente inadequada, assinou seu nome no gabarito.
 Fabrício da Pátria Filho.


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