domingo, 26 de janeiro de 2014

Baseado em fatos (reais).


 As melhores histórias já contadas são aquelas que realmente aconteceram.
 Aquele filme de terror assusta muito mais quando ouve dizer que os espíritos fizeram aquilo de verdade.
 O drama de superação arranca muito mais lágrimas se você souber, também, que pode encontrar o protagonista do filme apenas pegando um avião e voando para perto de sua casa.
 O livro sobre o cachorro travesso que morre no final te emociona ainda mais quando você lê na capa que alguém verdadeiro realmente pegou aquele cachorro no colo e afagou os pelos de suas costas (isso, claro, antes dele sair correndo para fechar uma praia).
 E não é entusiasmante ler sobre a história da vida de um artista sabendo que pode ir assistir a um show dele na primeira oportunidade que tiver?
 Todos esses exemplos mostram que uma das melhores formas de apreciar uma história é sabendo que ela é real, ou ao menos adaptada de uma história real.
 Um dos modos mais eficazes de saber quando um filme ou livro deriva de algo verídico é obtendo a informação da própria obra, por uma capa do material ou através de um trailer.
 Por exemplo, no caso das capas dos filmes Fuga de Sobibor e Escritores da Liberdade, e do livro O Trem.





E se não estiver gravado na capa da obra, uma breve pesquisa pode te ajudar a descobrir a veracidade dos eventos retratados no filme e/ou livro.
 No caso de obra cinematográfica, um trailer ou comercial pode ser a chave para a descoberta.
 Nos trailers abaixo de, respectivamente,"Operação Valquíria" e "Bling Ring: A Gangue de Hollywood"(ambos filmes horríveis) mostram que são roteiros adaptados do tedioso e cansativo mundo real através da frase tão conhecida : Baseado em fatos reais.


 Este filme conta a história de um dos casos mais desconhecidos pelo grande público que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial. Um coronel alemão se junta a uma resistência para efetuar a Operação Valquíria, que consiste em assassinar Adolf Hitler e dominar o país e todo o império que o mesmo ergueu após sua morte.
 Incontestavelmente, uma história real.


 Em um filme dirigido pela insuportável Sofia Coppola e estrelado pela amável Emma Watson, vemos um famoso caso de ondas de crimes que tomaram conta da televisão americana durante alguns meses.
 Um grupo de jovens regularmente invadia casas de pessoas famosas (extremamente conhecidas como Lindsay Lohan, Paris Hilton e Kristen Dunst).
 Envolvendo o nome de tantas celebridades que brilham nos palcos do mundo real, também é óbvio que Bling Ring se trata de um filme com verdade em seus acontecimentos.
 Ou, como diz o seu próprio trailer (ou o trailer anterior e as capas de livros e filmes acima), um filme baseado em fatos reais.

 Até que nos deparamos com o recentíssimo trailer de Caçadores de Obras-Primas, filme que ainda nem sequer estreou em terras brasileiras.


 No trailer desse novo filme sobre a Segunda Guerra, muitas coisas chamam a atenção. Melhor dizendo, todas as coisas nesse filme chamam a atenção. O elenco de peso (Matt Damon protagonizando), a volta de Bill Murray como coadjuvante cômico, o bigode de George Clooney e a função de diretor atribuída ao mesmo.
 Porém, entre todos esses elementos que chamam a atenção, há um que está diretamente relacionado com este texto.
 Ainda no início do trailer, temos a confirmação de que se trata de uma história verídica. Porém, ao invés de utilizar a frase "baseado em fatos reais", o trailer utiliza "baseado em fatos". Sem "reais".

 Gera uma sensação estranha ver o termo incompleto, e muitos podem até pensar que está errado.
 Crescemos lendo livros baseados em fatos reais, assistindo filmes baseados em fatos reais e ouvindo músicas baseadas em fatos reais (inclusive a própria Baseado em Fatos Reais, dos Detentos do Rap).
 E o costume e comodidade com este termo até nos faz pensar que seu uso no trailer de Caçadores de Obras-Primas está completamente errado. Sim?
 NÃO!
 Baseado em fatos está completamente certo. Baseado em fatos reais é que sempre esteve errado durante todos esses anos e muitos nunca perceberam.  Tudo se trata do pleonasmo.

 Pleonasmo, assim como a ironia e o sarcasmo, é uma das figuras de linguagem mais usadas e conhecidas e uma das únicas que quase todo mundo conhece pelo nome. Trata-se do vício de linguagem que utiliza, sem necessidade, na mesma frase duas palavras que possuam o mesmo significado e deixa a frase feia e com sentido redundante.
 O pleonasmo é berrante em termos como "subir pra cima" (se você sobe, obviamente é pra cima) e "prefeitura municipal" (não existe nenhuma prefeitura estadual ou federal).
 Mas, como existe o berrante, há também o pleonasmo que se torna imperceptível devido ao fato de ser muito comum, como nos termos "junto com" (Junto representa união. Se está junto, obviamente está com alguém. O correto seria junto A ti) e o "baseado em fatos reais".


 Segundo o dicionário Michaelis, eis as definições das duas palavras.
 Fato: O que é real.
 Real: Verdadeiro.
 Entenderam? Assim como um "sair pra fora" ou um "gritar alto", "fatos reais" soa EXTREMAMENTE redundante.
 Todo fato é real. Não existe um único filme baseado em fatos de mentira. Esses são a chamada ficção.
 A necessidade de confirmar, intensificar e frisar a todo o momento de que tal informação ou tal fato é realmente real foi o que acabou criando esse termo pleonásmico e fazendo com que ninguém nunca notasse seu pleonasmo.
 Como nasce um termo e como ele se fixa? Simples de se responder com este mesmo exemplo.
 Ele nasce da necessidade de dizer algo de uma nova maneira, e se fixa com a repetição. Pois se em todos esses filmes, livros e trailers é repetido o modo inadequado de se escrever....o único que acaba soando inadequado é o que está certo, o trailer de Caçadores de Obras-Primas, filme que parece ser muito bom demais.

 E não há problema em continuar escrevendo e falando este termo como sempre. Pode utilizá-lo. Mas tenha ciência de que todo fato é real, e que está fazendo uso de uma linguagem redundante e que gasta palavras sem uso.
 A única ocasião que justificaria o uso de "baseado em fatos reais" seria se, como nas velhas piadas, falassem de um cigarro de maconha (baseado) enrolado em folhas de um jornal (fatos reais).

7 comentários:

  1. Eis-me!
    Este é o Guimarães...!
    Caro, sem comentários "impactantes". Em verdade, uma dúvida: existem ecos das aulas de COE?!
    Continue a escrever e a ler. Lerei outros textos e prometo comentar no geral e pessoalmente.
    Até logo.

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    1. Obrigado, professor.
      Obviamente, as aulas de COE ajudaram bastante na minha escrita (foi quando me questionei várias vezes se era isso mesmo o que eu queria fazer). Creio que se não fossem essas aulas, não prestaria tanta atenção nas palavras e a ideia pra este texto nem teria nascido.
      Até logo, e obrigado pela leitura e pelo comentário.

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    2. Nunca fui bom em português! Sem duvidas a matéria que eu mais odiava na escola! Mas depois das aulas de COE comecei a ver que eu realmente estava entendendo algo sobre português, agora eu sei que o problema não era eu, o problema eram os professores pois só o Anilton conseguiu me ensinar alguma coisa.
      - Philipe Silva

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    3. Pode confiar, aqui é Anilton.
      Obrigado pelo comentário. kkkkkk

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  2. Realmente a frase ''BASEADO EM FATOS REAIS'' 'ajuda e muito o filme na hora de vc assistir mas ainda assim prefiro os filmes que tentam e conseguem copiar a vida real.
    exemplos:todas as obras de Renato Aragão e Xuxa Meneghel

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    1. Comédia não funciona se for baseado em fatos, kkkk.
      Obrigado.

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  3. Mas e os fatos mentais, fatos típicos, fatos brutos, fatos institucionais, fatos jurídicos...?

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